Marcos Sacramento arca com o frescor de álbum em que realimenta a tradição da música brasileira com modernidade

Artista canta Cazuza com Zé Ibarra, dá voz a Thiago Amud e cai no suingue afro-baiano com Josyara em disco com produção musical de Elisio Freitas. Capa do álbum ‘Arco’, de Marcos Sacramento Divulgação ♫ OPINIÃO SOBRE DISCO Título: Arco Artista: Marcos Sacramento Cotação: ★ ★ ★ ★ 1/2 ♪ Um círculo de tradições, sobretudo do samba, envolve a discografia recente de Marcos Sacramento. Mesmo sem reinventar a roda, o 18º álbum do cantor e compositor fluminense – Arco, no mundo a partir de sexta-feira, 8 de novembro – exala frescor que revigora a obra fonográfica do artista. Aos 64 anos, Sacramento se conecta com cantores e músicos de gerações mais jovens, sem patinar em terreno modernoso, mas realimentando a tradição com modernidade. A começar pelo dueto com Zé Ibarra em Todo amor que houver nessa vida (Roberto Frejat e Cazuza, 1982), canção que abre o disco com refinado toque de latinidade no fraseado do piano de Marcelo Galter, confeito de gravação em que Zé Ibarra soa sem o corriqueiro brilho de intérprete. Muito da energia renovada do disco Arco vem do fato de Marcos Sacramento ter confiado a produção musical ao guitarrista Elisio Freitas e de ter dado forma ao álbum sob a direção artística de Phil Baptiste. Habitual colaborador do artista, o violonista Luiz Flavio Alcofra exerce a função de coprodutor musical. A beleza de Arco é acentuada por sutilezas. O toque slide da guitarra de Elisio Freitas faz toda a diferença na abordagem – no original em espanhol – de Tonada de luna llena (Simón Díaz, 1973), tema venezuelano amplificado no Brasil por Caetano Veloso há 30 anos no álbum Fina estampa (1994). É a primeira vez que Sacramento grava música em língua estrangeira. Outro acerto do artista foi exercitar o ofício de intérprete após um álbum inteiramente autoral, Caminho para o samba (2022). O samba, aliás, dita o ritmo de faixas como Graça (Thiago Amud, 2021), samba cujas melodia, cadência e letra ecoam em tom cool, em círculos, o recado de esperança dos versos positivistas. Há na forma de Graça a mesma sofisticação que salta aos ouvidos em Voltei (1986), samba de Baden Powell (1937 – 2000) com Paulo César Pinheiro apresentado pela cantora Elizeth Cardoso (1920 – 1990) no álbum Luz e esplendor (1986) e ora revivido por Sacramento em Arco com arranjo embasado pelo pandeiro de Netinho Albuquerque, pelo sintetizador de Ivo Senra e pela bateria eletrônica de Domenico Lancellotti. Com a baiana Josyara e com o bafejo dos sopros orquestrados por Aquiles Moraes e Everson Moraes, Sacramento cai no suingue tropical de Bahia-Rio com vivaz afro-brasilidade. Os cantos serelepes de Josyara e Marcos Sacramento valorizam música foliã da parceria do artista com Luiz Flavio Alcofra que culmina com citação de Tropicália (Caetano Veloso, 1967). E por falar em folia, Sacramento abre caminhos a capella para a força de Xangô (Dema Chagas, Francisco Aquino, Fred Camacho, Getúlio Coelho, Guinga do Salgueiro, Leonardo Gallo, Marcelo Mota, Renato Galante, Ricardo Fernandes e Vanderlei Sena), samba-enredo apresentado pela escola Acadêmicos do Salgueiro no Carnaval carioca de 2019. Já a canção Para Frido (Marcos Sacramento) é dedicada ao grande amor da vida do artista. No álbum Arco, Para Frido roça a forma de inventiva peça de câmara por conta do intrincado arranjo de sopros de Thiago Amud. Já Guanabara (Luiz Flavio Alcofra, Marcos Sacramento e Phil Baptiste) oscila entre o samba e o samba-canção em clima de seresta moderna, dialogando musical e geograficamente com Niterói (Manu da Cuíca, Luiz Carlos Máximo, Marcos Sacramento e Fernando Leitzke Júnior), música batizada com o nome da cidade natal do cantor e compositor. Entre Guanabara e Niterói, o álbum Arco põe na avenida um samba efervescente de tom político, Jesus é preto, parceria de Sacramento e Paulo Baiano que tem letra baseada em fatos (ir)reais produzidos nos anos 1980 pela imaginação delirante do artista, então sob efeito de aditivos químicos. O arremate do álbum é feito com a repetição da letra-mantra da autoral música-título Arco, cujos versos “Ar pra respirar / Arco da Lapa / Arco-íris / Arco e flecha / do Orixá com a gente” ecoam na voz do cantor somente com o toque ancestral dos tambores de Leonardo Dias. Intérprete sagaz, Marcos Sacramento arca com todo o frescor deste disco revigorante que se alimenta com modernidade da tradição. Marcos Sacramento lança o álbum ‘Arco’ na sexta-feira, 8 de novembro, com 11 músicas que misturam inéditos temas autorais com regravações Divulgação

Nov 6, 2024 - 12:30
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Marcos Sacramento arca com o frescor de álbum em que realimenta a tradição da música brasileira com modernidade

Artista canta Cazuza com Zé Ibarra, dá voz a Thiago Amud e cai no suingue afro-baiano com Josyara em disco com produção musical de Elisio Freitas. Capa do álbum ‘Arco’, de Marcos Sacramento Divulgação ♫ OPINIÃO SOBRE DISCO Título: Arco Artista: Marcos Sacramento Cotação: ★ ★ ★ ★ 1/2 ♪ Um círculo de tradições, sobretudo do samba, envolve a discografia recente de Marcos Sacramento. Mesmo sem reinventar a roda, o 18º álbum do cantor e compositor fluminense – Arco, no mundo a partir de sexta-feira, 8 de novembro – exala frescor que revigora a obra fonográfica do artista. Aos 64 anos, Sacramento se conecta com cantores e músicos de gerações mais jovens, sem patinar em terreno modernoso, mas realimentando a tradição com modernidade. A começar pelo dueto com Zé Ibarra em Todo amor que houver nessa vida (Roberto Frejat e Cazuza, 1982), canção que abre o disco com refinado toque de latinidade no fraseado do piano de Marcelo Galter, confeito de gravação em que Zé Ibarra soa sem o corriqueiro brilho de intérprete. Muito da energia renovada do disco Arco vem do fato de Marcos Sacramento ter confiado a produção musical ao guitarrista Elisio Freitas e de ter dado forma ao álbum sob a direção artística de Phil Baptiste. Habitual colaborador do artista, o violonista Luiz Flavio Alcofra exerce a função de coprodutor musical. A beleza de Arco é acentuada por sutilezas. O toque slide da guitarra de Elisio Freitas faz toda a diferença na abordagem – no original em espanhol – de Tonada de luna llena (Simón Díaz, 1973), tema venezuelano amplificado no Brasil por Caetano Veloso há 30 anos no álbum Fina estampa (1994). É a primeira vez que Sacramento grava música em língua estrangeira. Outro acerto do artista foi exercitar o ofício de intérprete após um álbum inteiramente autoral, Caminho para o samba (2022). O samba, aliás, dita o ritmo de faixas como Graça (Thiago Amud, 2021), samba cujas melodia, cadência e letra ecoam em tom cool, em círculos, o recado de esperança dos versos positivistas. Há na forma de Graça a mesma sofisticação que salta aos ouvidos em Voltei (1986), samba de Baden Powell (1937 – 2000) com Paulo César Pinheiro apresentado pela cantora Elizeth Cardoso (1920 – 1990) no álbum Luz e esplendor (1986) e ora revivido por Sacramento em Arco com arranjo embasado pelo pandeiro de Netinho Albuquerque, pelo sintetizador de Ivo Senra e pela bateria eletrônica de Domenico Lancellotti. Com a baiana Josyara e com o bafejo dos sopros orquestrados por Aquiles Moraes e Everson Moraes, Sacramento cai no suingue tropical de Bahia-Rio com vivaz afro-brasilidade. Os cantos serelepes de Josyara e Marcos Sacramento valorizam música foliã da parceria do artista com Luiz Flavio Alcofra que culmina com citação de Tropicália (Caetano Veloso, 1967). E por falar em folia, Sacramento abre caminhos a capella para a força de Xangô (Dema Chagas, Francisco Aquino, Fred Camacho, Getúlio Coelho, Guinga do Salgueiro, Leonardo Gallo, Marcelo Mota, Renato Galante, Ricardo Fernandes e Vanderlei Sena), samba-enredo apresentado pela escola Acadêmicos do Salgueiro no Carnaval carioca de 2019. Já a canção Para Frido (Marcos Sacramento) é dedicada ao grande amor da vida do artista. No álbum Arco, Para Frido roça a forma de inventiva peça de câmara por conta do intrincado arranjo de sopros de Thiago Amud. Já Guanabara (Luiz Flavio Alcofra, Marcos Sacramento e Phil Baptiste) oscila entre o samba e o samba-canção em clima de seresta moderna, dialogando musical e geograficamente com Niterói (Manu da Cuíca, Luiz Carlos Máximo, Marcos Sacramento e Fernando Leitzke Júnior), música batizada com o nome da cidade natal do cantor e compositor. Entre Guanabara e Niterói, o álbum Arco põe na avenida um samba efervescente de tom político, Jesus é preto, parceria de Sacramento e Paulo Baiano que tem letra baseada em fatos (ir)reais produzidos nos anos 1980 pela imaginação delirante do artista, então sob efeito de aditivos químicos. O arremate do álbum é feito com a repetição da letra-mantra da autoral música-título Arco, cujos versos “Ar pra respirar / Arco da Lapa / Arco-íris / Arco e flecha / do Orixá com a gente” ecoam na voz do cantor somente com o toque ancestral dos tambores de Leonardo Dias. Intérprete sagaz, Marcos Sacramento arca com todo o frescor deste disco revigorante que se alimenta com modernidade da tradição. Marcos Sacramento lança o álbum ‘Arco’ na sexta-feira, 8 de novembro, com 11 músicas que misturam inéditos temas autorais com regravações Divulgação